A Vida num Carrossel
A propósito do anúncio de Natal da NOS e de os pais estarem lá sempre, quando todos nos abandonam e tudo parece sem "volta" a dar; ou tendo-a, se anunciam voltas difíceis num trilho a sós.
Os pais estão sempre ao nosso lado! Nunca desistem de nós, façamos as parvoeiras inconcebíveis que todos fazemos. Perdoam tudo. Compreendem, até, o que ainda não nos apercebemos que vai acontecer.
Hoje, aproximadamente por esta altura do dia, falava, sem jamais esperar, pela última vez, com a minha mãe ao telefone. Nunca mais a abraçaria, beijaria, nem faria "rabiar", pelos feitios muito semelhantes, como costumávamos fazer às vezes uma, à outra, prova do amor que, afinal, existe; como a vida achou por bem não me deixar vê-la, despedir dela.
A minha mãe teve uma morte que não merecia! Se há que há morte que alguém mereça. Violenta, horrenda e sozinha. Gritando por ajuda que chegou tarde demais. A minha adorada mãe, a quem nunca poderei pedir perdão, por tudo que deve tê-lo e mesmo pelo que não carece, morreu queimada.
Ao fazer um chá, porque adorava a sua independência e teimava estar a maioria do tempo, na sua casa, o robe que trazia, a manga, talvez... deve ter pegado fogo; e ela, uma pessoa ainda "desenvolta", mas muito trôpega, com a cabecinha na idade dela, melhor que a de muitos de nós, deve ter tentado; feito o que pôde! Mas, porque por cima mora, um casal com filhos, que costuma fazer muito barulho, os vizinhos, bons e queridos vizinhos, de muitos anos, só deram conta já ela tinha queimaduras gravíssimas.
Telefonaram-me. Voámos para Lisboa. Eu, as netas, o genro, porque o meu irmão estava adormecido fruto de uma colonoscopia e o meu marido, longe a trabalhar. E, no ano da Covid, o largo "da minha rua", ao chegarmos, parecia um cenário do CSI. Ambulâncias de bombeiros, INEM, vizinhos de todo o lado... porque a minha mãe era uma boa pessoa! Querida por todos! Prestável. Chamada "menina, junto ao nome" ainda, por ir morar para ali, tão jovem.
Ao entrar... não é preciso descrição. Varremos, limpámos o possível. E esfreguei até à exaustão o que não consegui extrair, rezando e prometendo a Deus, o que me pedisse, para a salvar! Ainda que a recuperação fosse um calvário.
Mas Deus resolveu levar-ma! Durante a noite, espero que a alma do meu pai o acompanhasse; a minha mãe foi embora! E em ano de pandemia, como se tudo já tivesse sido fácil, porque os funerais eram como se sabia, estivemos à espera quase quinze dias que o corpo fosse liberto para lhe poder dar sossego e morada.
Há coisas que não acontecem por acaso! Pela descrição dos vizinhos, quando abriram a porta e a viram em chamas, num choque surreal para todos, ao ser deposta no caixão, apenas com abertura em cima. O rosto da minha querida e bondosa mãe estava incólume! Tranquila como se dormisse, com as poucas rugas, na sua bonita face. Os traços perfeitos.
Talvez ela nos visse! Estivesse ali, ao nosso lado. Continue a estar e nunca abale.
De certo modo, no silêncio que as lágrimas expressam, pudemos dizer-lhe tudo o que já não importa dizer. Vê-la, mesmo assim, como "Alguém" achou merecermos ver a nossa mãe! Não num esquife lacrado, mas com o seu bonito rosto "acessível".
Como diz o anúncio: Eu sei que vou poder contar sempre com a minha mãe! SEMPRE!
Mesmo ela estando onde está. Num lugar que sempre foi dela e mereceu. Pelo amor, dedicação, sacrifício, orgulho, tudo que sentia e fez por nós. Tantas, mas tantas vezes esquecendo-se de si, para nos pôr a todos na frente!
São assim, as mães. Os pais! Até na morte. Que não haja uma única dúvida. Eles nunca nos abandonam!